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Do outro lado da cama, ele consegue adivinhar-lhe o olhar cansado, por detrás das pálpebras fechadas. Na respiração constante que lhe aumenta o decote num ritmo lento, ele antecipa as lágrimas que lhes servirão de pequeno almoço. E espera.
Do outro lado da cama, ele consegue adivinhar-lhe o olhar cansado, por detrás das pálpebras fechadas. Na respiração constante que lhe aumenta o decote num ritmo lento, ele antecipa as lágrimas que lhes servirão de pequeno almoço. E espera.
(Há um sapato negro, mais fundo que a escuridão que lhes invade o quarto, esquecido no chão)
Naquele momento, dentro de tanto silêncio, por baixo da roupa que ela se esqueceu tirar, ele sabe que aquele corpo se prepara, com um repouso derradeiro, para se afastar irreversivelmente do seu. E assim, em vez de dormir, acaricia com os olhos todas as curvas, todos os cantos menos óbvios daquele corpo que, a escassos centímetros do seu, está já como que longe. Como que perdido.
Daquele lado do escuro da cama prevê com exactidão matemática o futuro: do fundo do tempo que está para chegar, na calada da noite, chegam homens para lhe explicar com detalhes pornográficos como usarão aquele corpo que nunca foi verdadeiramente seu.
E, naquele momento, não precisa de espelho para saber que, ao romper da aurora, acordará sozinho com o olhar sanguinário de quem está irremediavelmente pronto para perder. Pronto para matar.
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