sábado, fevereiro 11, 2012

O Regresso dos Homens-Deserto (ou a desconstrução da descrição do fim do mundo)

Como se a imagem fosse a reprodução de um livro, ou outro gerador de imaginações às prestações. Primeiro, uma rua deserta: uma placa explode do vazio, com o nome desenhado devagar: Rua dos Homens Desertos. De repente uma casa, mas não uma casa, apenas a dimensão, as linhas; um tamanho.
E de repente cores. Monocrónicas, sujas, mas paredes agora a preencher o espaço antes invisível que ficava para lá das dimensões decididas no momento.
E depois janelas. Uma porta de alumínio, pedaços de vidro a desaparecer de uma das janelas que afinal está partida. De repente o frio na casa, porque a porta afinal não fecha sequer, e há também um gemido, dos ferros que aos poucos ganham a ferrugem do abandono que ficara esquecido na descrição até agora. Agora um sufoco. Pó, em perpétuo movimento, eternamente perdido pela casa abandonada. Pelas divisões que surgem agora, porque até agora a casa era um cubo deserto. Uma sala, com sofás esqueletos de alimento para ratos e animais afins. Uma caldeira negra, não de cor, mas de fuligem. Quadros tortos, alguns teletransportados, da parede para o chão. Todos de repente partidos! Um relógio na parede, quase deitado, a escolher uma hora incerta, afinal definida, duas e um quarto, certo duas vezes por dia.
Um fim nasce agora à sala. Um corredo escuro em que se vislumbra um vidro que o pó proibe de ser espelho. Sombras a sugerir portas que da sala não podem ser mais que ideias semidefinidas do resto da casa que acaba, abruptamente, com a indicação de ruídos na rua...
Vozes afinal. Distintas, claras. Finas como areia. Um olhar para trás. Uma multidão de homens -deserto apontam os seus olhares de terra.A quem? A mim? À personagem? Momentos de dúvidas, e é já tarde demais. Jactos de esperma-areia num deserto orgásmico onde cemitérios de ideias sugerem a possibilidade de livros que a areia não me deixou escrever.

Detritos púrpura.
Compassos, intermitentes, raios de sol
nuvens, vento, agulhas e água injectada de sangue.
Sons, explosivos e inanimados.
Mortes. Memórias desconexas.
Um avô numa cadeira
um orgasmo imaginário lembrado ao pormenor
fantasias de aço, linhas desfeitas
verso recortados, como pedaços de carne
ideias assassinadas por palavras.
Serras e vinhos e medos
misturados. Veneno compósito para a morte
em ebulição. Um linha de guitarra
que de repete é a dor lancinante de um pesadelo de muitas vidas atrás.

O tempo dobra-se, sobrepõe-se.
O medo do rapaz de cabelos
destruídos, cheio de esperanças, encontra o sorriso
de um adulto convencido da solidão no
mesmo rosto, um rosto único, intemporal, em que
esperanças e brinquedos se espalham
de mãos dadas com o sorriso suicida de quem aprendeu enfim
a abraçar a solidão definitiva.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Para lá do vento
Por detrás do gelo
fica a saudade.

Entre as correntes de frio,
por cima do cume
da saudade, fica o esquecimento
glaciar instantâneo
pronto a derreter.

#3

Bloodied roots poison the flowers.
Monster sirens!
From the peak of the world we see the truth.

#2

Her memory painfully fades.
Roadblock:
steel cars flying against the wind.

#1

The water pipes broke
undecided...
snow flakes shower the hills.

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Talvez

Talvez não tenhamos muito tempo mais.
As ruas começam aos poucos a esquecer os nossos passos. Nos nossos degraus escondidos de esperança, uma névoa fina dissolve as memórias que não conseguimos ainda apagar.
Nos nossos corpos abandonados, o rasto sulfúrico dos lábios desenha a explicação inevitável deste fim, ou de um outro quase igual.
Lá fora, a cidade treme e explode, na tentativa vã de nos explicar como reagem os rostos em plena combustão.
Mas eu permaneço imóvel e tu, imagino, também. Porque escorregamos entre o bem e o mal, como sangue envenenado, e evitamos olhar para trás quando nos esquecemos de parar de cair. Porque aceitamos uma morada de abismos, destroços e esperanças amputadas, para um dia, alguns sorrisos, pedaços soltos de cumplicidades siamesas, e pouco mais.
Talvez não já não tenhamos tempo para olhar para trás, e perceber que os toques escondidos, e os sorrisos simulados, tinham escondidas dentro de si esperanças e promessas nuas,  demasiado puras para o apocalipse glaciar destes futuros que nos recusamos experimentar.
Talvez o medo tenha cortado os pulsos do tempo, e agora tudo o que nos resta é esperar que os minutos de sangue que faltam se esgotem, e o tempo decida voltar a começar.