sábado, dezembro 27, 2008

Duluoz, O Vaidoso

"(...) hoje em dia ninguém caminha pelas ruas descontraidamente, de olhos no chão, a assobiar; todos olham para as pessoas com quem se cruzam no passeio com ar de culpa e, pior ainda, com curiosidade e interesse postiços, nalguns casos uma atenção «desempoeirada», uma pose do género «A mim não me escapa nada», ao passo que naquele tempo chegava a haver filmes com o Wallace Beery em que ele acordava numa manhã de chuva e voltava logo costas à janela, dizendo: «Ora essa, vou mas é dormir mais um bocado, também não hei-de perder grande coisa, de certeza.» E a verdade é que não perdia mesmo. Hoje em dia só ouvimos falar de «contribuições criativas para a vida em sociedade» e ninguém se atreve a dormir durante um dia inteiro de chuva ou sequer a conceber a ideia de deixar escapar alguma coisa."

Jack Kerouac

sexta-feira, dezembro 19, 2008

The Cure - Last Dance

I'm so glad you came
I'm so glad you remembered
To see how we're ending
Our last dance together
Expectant
Too punctual
But prettier than ever
I really believe that this time it's forever

But older than me now
More constant
More real
And the fur and the mouth and the innocence
Turned to hair and contentment
That hangs in abasement
A woman now standing where once
There was only a girl

I'm so glad you came
I'm so glad you remembered
The walking through walls in the heart of December
The blindness of happiness
Of falling down laughing
And I really believed that this time was forever

But Christmas falls late now
Flatter and colder
And never as bright as when we used to fall
All this in an instant
Before I can kiss you
A woman now standing where once
There was only a girl

I'm so glad you came
I'm so glad you remembered
To see how we're ending
Our last dance together
Reluctantly
Cautiously
But prettier than ever
I really believe that this time it's forever

But Christmas falls late now
Flatter and colder
And never as bright as when we used to fall
And even if we drink
I don't think we would kiss in the way that we did
When the woman
Was only a girl

Disintegration, 1989

sábado, novembro 01, 2008

Encantar-te-ás com os poetas até conheceres um.
Com calças de poeta, camisa de poeta e casaco
de poeta, os poetas dirigem-se ao supermercado.

As pessoas que estão sozinhas telefonam muitas vezes,
por isso, os poetas telefonam muitas vezes. Querem
falar de artigos de jornal, de fotografias ou de postais.

Nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-ás.
São sempre os últimos a encontrar estacionamento
para o carro, mas quando chove não se molham,

passam por entre as gotas de chuva. Não por serem
mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos.
A falta de sentido prático dos poetas não tem graça.

José Luís Peixoto, Gaveta de Papéis

sábado, outubro 25, 2008

Naquele mesmo ritmo uniforme ultrapassamos devagar o monte cinzento de nuvens que tenta cobrir o mundo, com o seu pequeno buraquinho de sol a tentar sorrir-nos encoberto, quase triste.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Iron thoughts sail out at evening

Iron thoughts sail out at the evening on iron ships;
They move hushed as far lights while twelve footers
Dive at anchor as the ferry sputters
And spins like a round top, in the tide rips,
Its rooster voice half muted by choked pipes
Plumed with steam. The ship passes. The cutters
Fall away. Bells strike. The ferry utters
A last white phrase; and human lips,
A last black one, heavy with welcome
To loss. Thoughts leave the pitiless city,
Yet ships themselves are iron and have no pity;
While men have hearts and sides that strain and rust.
Iron thoughts sail from the iron cities in the dust,
Yet soft as doves the thoughts that fly back home.

As cantinas e Outros poemas do álcool e do mar, Malcolm Lowry

O medo (2)

"Sabes, para tocar o lugar onde as nossas sombras se confundem nenhuma metamorfose do coração me aterroriza."

O medo, Al Berto

segunda-feira, outubro 06, 2008

On the road

“Emotionlessly she kissed me in the vineyard and walked off down the row. We turned at a dozen paces, for love is a duel, and looked up at each other for the last time.”

On the road, Jack Kerouac

sábado, setembro 27, 2008

A Morte de Ivan Iliitch

"Além das considerações que a morte de Ivan Iliitch provocou em cada um relativamente às consequentes mudanças e promoções no serviço, o facto em si do falecimento de uma pessoa próxima despertou em todos o habitual sentimento de alegria: morreu ele, e eu não."

Lev Tolstói, A morte de Ivan Iliitch

quarta-feira, setembro 17, 2008

The Falling of the Leaves

Autumn is over the long leaves that love us,
And over the mice in the barley shaves;
Yellow the leaves of the rowan above us,
And yellow the wet wild-strawberry leaves.

The hour of the waning of love has beset us,
And weary and worn are our sad souls now;
Let us part, ere the season of passion forget us,
With a kiss and a tear on thy drooping brow.

Collected Poems, W. B. Yeats

quarta-feira, setembro 03, 2008

L - Um Céu-Autoestereograma

Claro não sei ler nesses teus olhos_______

Esse olhar mistério de azul cinzento verde
em que se espalha a indolência de um céu pálido
numa sucessão de sonho ternura e crueldade
faz-me lembrar aqueles dias tépidos e velados
que mergulham em lágrimas os corações inquietos
fascinados por um mal desconhecido que os destroça
forçando os nervos demasiado vivos a fazer troça do Witz embotado

Também é verdade que por vezes me lembra
esses magníficos horizontes  iluminados pela luz de estações de bruma
em que por momentos resplandece uma paisagem húmida
que inflamam raios enviados por um céu desnorteado

Torna-se perigoso um clima sedutor se feminino

Pergunto-me se adorando esses olhos
saberei tirar da sua frieza implacável
prazeres mais intensos do que os densos ferro e gelo


Charles Baudelaire: As Flores do Mal, tradução de Maria Gabriela LLansol

terça-feira, agosto 26, 2008

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são
[doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente
[exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua
[voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a
[madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande
[íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala
[amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono
[desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinicius de Moraes. Antologia Poetica

domingo, junho 08, 2008

Cartas

"Quando o vento se levanta e passa, tua cabeça adormecida põe-se a brilhar. Em redor dela um halo de sombra onde a minha mão entra, vagarosamente, pedindo-te um sinal.
Procuro o rosto com os dedos afiados pelo desejo. Toco a alba das pálpebras que, de súbito, se abrem para mim.
Um fio de luz coalhava na saliva do lábio.
Ouvimos o mar, como se tivéssemos encostado a cabeça ao peito um do outro. Mas não há repouso nesta paixão.
O dia cresce, sem luz - e os pássaros soltam-se do pólen dos sonhos, embatem contra os nossos corpos.
Nada podemos fazer.
Um risco de passos ensanguentados alastra pelo chão da cidade. A noite cerca-nos, devora-nos. Estamos definitivamente sozinhos.
Começamos, então, a imitar a vida um do outro. E, abraçados, amamo-nos como se fosse a última vez...
O tempo sempre esteve aqui, e eu passei por ele quase sempre sozinho.
No entanto, recordo: deixaste-me sobre a pele um rasgão que já não dói. Mas quando a memória da noite consegue trazer-te intacta, fecho os olhos, o corpo e a alma latejam de dor.
Dantes, o olhar seduzia e matava outro olhar. Agora, odeio-te por não me pertenceres mais. Odeio-te. Abro os olhos. Regresso ao meu corpo e odeio-te. E, quem sabe se no meio de tanto ódio não te perdoaria - mas ambos sabemos que o perdão não existe.
Se fugias, perseguia-te. Mas o olhar começava a cegar. Sentia-te, já não te via. E o pior é que o tacto também esqueceu, rapidamente, a sensualidade da pele e o calor do sexo. O rosto aprendido de cor.
Hoje, tudo se sobrepõe. Nomes, rostos, gestos, corpos, lugares... um montão de cinzas que me deixaste como herança.
Não devo perder tempo com o ciúme. A paixão desgastou-me. E nunca houve mais nada na minha vida - paixão ou ódio.
Só isto: se me aparecesses agora, tenho a certeza, matava-te."

Al Berto - O anjo mudo

quarta-feira, maio 28, 2008

Ontem morri de amor no coliseu

Quando a menina/mulher entrou a deslizar no palco todos estavam à espera de uma grande noite. A voz de veludo já estava nas nossas cabeças à espera de ser ouvida. Mas no fundo ninguém esperou que o veludo fosse assim, tão bom que nos apetece enrolar em nós mesmos e sonhar sem parar para sempre.
Cat Power é uma mulher, uma gata e uma menina descontrolada, perdida de amor pela música e repleta de pânico animado dentro de um palco pequeno demais para o mundo que a sua voz envolve.
E assim, de lado, quase deitada, em vénias felinas e descompansadas, a menina senhora gata distribui todas as sílabas e notas com medo e açucar daquele directinho do céu para nós.
São bocadinhos de vida assim que valem a pena viver.
Esta é a minha vénia desajeitada de volta a quem tão pouco nos quis deixar.

terça-feira, abril 29, 2008

Equinócios de Tangerina - 1º Equinócio

paisagens / jamais o vento nos acordará. as sereias saltaram para fora do adolescente sonho. cessaram os cânticos aquáticos. receio olhar-te, quando dormimos juntos sinto o peso incomensurável de tua cabeça sobre o ombro. teu corpo afiado contra o meu. os dedos em teus cabelos descobriam noites intermináveis, ciúmes terríveis, a lembrança doutros corpos. insone, meu corpo abrigava o teu. vestia-te de anémonas envenenadas, matava-te para que não me fugisses. caminhávamos na miragem de algum naufrágio, algures pelas estradas dum continente que nos odiava. a nossa fortuna era estarmos vivos e podermos dormir à beira das auto-estradas e não desejarmos nada. o que possuíamos não era grande coisa mas fingíamos muito bem a felicidade. /


Al Berto - O MEDO

quarta-feira, abril 09, 2008

sexta-feira, março 07, 2008

“Now the rail that runs over their forefather’s bones leads them onward pointing into infinity, wraiths of humanity trading lightly the surface of the ground so deeply suppurated with the stock of their suffering you only have to dig a foot down to find a baby’s hand.”

The subterrenaneans, Jack Kerouac