domingo, fevereiro 03, 2013

olhou-me nos olhos com as janelas abertas e disse

já não olhas mais para mim passas em mim e não reparas não me sentes caminhas em mim mas as ruas são invisíveis para ti e eu tento tudo a sério que tento tenho palhaços a pedir esmola espalhados por todas as esquinas miguel angêlos bebés descalços na neve desenham-me nas paredes os graffitis mais obscenos distribui com cuidado pelo teu caminho as mulheres mais bonitas os decotes mais ousados os olhares mais distantes abri catedrais de madrugada ofereci aos músicos de rua orgãos de tubos e stratocasters por estrear organizei feiras dedicadas aos teus poetas favoritos antecipei o natal para a primavera aboli os cães declarei a solidão inconstitucional e então revoltaste-te contra o sistema inventaste com o rosto a bandeira contra as minhas regras declaraste-te anarca pela melancolia deixaste-me sem escolha senão prender-te senão encerrar-te nos meus limites e nada mudou continuas preso nas minhas praças mas resistes e não me olhas e quando me olhas é como se não me visses e visses outra qualquer outra diferente outra melhor outra com bairros de tristeza e avenidas de desilusão outra que se prostitui sem pingo de vergonha aos impulsos pornográficos homicidas e tristes da tua absoluta e incondicional falta de fé

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

as saudades são assim

as saudades são assim: não pedem morada ou número de telefone, não usam avisos de recepção. chegam e atravessam-nos sem explicar porquê, sem nos deixar perceber os países inteiros que nos separam, repletos de vidas inteiras, erguidas como muros entre nós.

às vezes esqueço-te. desculpa. mas a sério. às vezes desapareces-me da memória sem deixares sequer um bilhete com uma data de regresso. e eu faço um esforço enorme para não levar a mal essas tuas partidas desanunciadas.

há anos que não te toco. mas hoje a minha mão sabe-te de cor, tanto quanto naqueles anos em que éramos audazes demais para acreditar no fim.

temo adormecer e encontrar as nossas memórias dispostas em diapositivos baralhados, numa sequência aleatória que pode perfeitamente durar para sempre.

perdoa-me o esquecimento.

perdoa-me, sobretudo, as saudades que continuo sem saber evitar.

fico aqui à tua espera. aqui neste passado remoto, tão difícil de te encontrar. não te demores. eu sei que de uma maneira ou de outra, duraremos para sempre. mas esta rosa não.