segunda-feira, novembro 26, 2012

quase nada

eu e tu não somos dois
somos mais.

uma soma atrapalhada
desligada
uma simbiose multiplicativa
auto-destrutiva.

duas linhas paralelas
quase sobrepostas
olhos nos olhos
a escassos espaços
eternamente à espera
de se cruzar

somos isto:
pouco
ou quase nada;
tentativa falhadas
um momento mágico
trágico de esperança
a repetir-se na memória
como um documentário de uma época distante,
tão antigo que quase não o conseguimos lembrar.

quinta-feira, novembro 22, 2012

poema catrineta

Tenho sempre um livro
de poemas
escondido no fundo da mochila
ou no bolso mais recôndito do casaco
seja ele qual for.

Um dia, ao passar junto à praia
percebi, num arrepio de pânico
a tristeza analfabeta
que habita o fundo do mar.

Sentei-me junto às ondas
e, com o cuidado do artesão
desesperado
arranquei do livro
o meu poema favorito.

Dobrei-o com cuidado
arquitecto orgulhoso
do primeiro poema caravela.

E agora
que quase não o vejo
lá ao fundo
ao oscilar nas ondas
frágil como o sol que ainda o ilumina a ele
e a mim não,
continuo indeciso
sem saber o que será melhor:
se ser resgatado por um veleiro qualquer
com sede de paraíso ou barcos de papel
se afundar-se e, com sorte,
ensinar aos peixes a poesia
que mora para lá das águas
e que pertence a qualquer lugar.

sábado, novembro 17, 2012

o teu silêncio

O meu silêncio
em forma de escudo
estilhaçado, despedaçado
cada vez que te vejo passar.

Evitar-te como o condenado evita
a morte: em vão.

Fujo-te e encontro-te,
e quando
finalmente te escapo
invades-me os sonhos
em cenários impossíveis:
as tuas mãos morenas, abertas
num gesto tão impossível
que me faz
acordar;
os teus lábios
nos meus
a recordar beijos,
a prometer alegrias...

Cada vez que me julgo a salvo
assaltas o desassossego
das minhas primaveras
com olhares à prova de bala
e gestos esquecidos
impermeáveis ao esquecimento
a recordar-nos pesadelos melhores.

em ti

Estou dentro de ti.
Procuro
no fundo de ti
um vestígio húmido
de esperança.

No teu abraço
o fim e o princípio da solidão
encontram-se.

Os teus olhos
negros,
fechados,
escondem de nós tudo
o que conhecemos:
o fim
o destino vazio de um orgasmo
simulado
que me deste de presente
no dia da tua partida
definitiva,
no aniversário do dia em que descobrimos
o quão fácil era para nós
acreditar na felicidade de faz de conta,
que nos ocupou um inverno inteiro
um inverno cansado
com estrelas cadentes
de desilusões,
e futuros luminosos
que nunca deixaste acontecer.

sexta-feira, novembro 16, 2012

detalhes de um outono vestido de sangue

As árvores sangram:
arco-íris escarlates vestem as árvores
secas, à espera
da nudez estéril de um novo  inverno.

É Outono:
um sol glaciar atravessa a cidade;
as pessoas sorriem pelas ruas,
passeiam à procura de todos os santos
ou de um amigo só.

A melancolia instala-se
de veludo;
traz detalhes de cinismo,
e explica aos corações isolados
que o natal é quando um homem quiser,
mas ninguém na verdade o quer.

O Outono (def.)estação de transição em que o sol de um verão esquecido se prostitui à verdade negra de um inverno prestes a chegar; época de mendigos e sem-abrigo, a celebrar na rua de falos e seios expostos os meses que antecedem o terror árctico da sua extinção  anunciada...

[...e em que os mais desafortunados choram sobre cadáveres despidos o fim definitivo da paixão balnear, destino árido de todos aqueles que não se podem dar ao luxo  de morrer à fome.]

segunda-feira, novembro 12, 2012

assim

Um amor assim,
lento,
a chegar devagar,
sem pressas
na certeza típica da eternidade.

Os teus olhos,
assim,
como amêndoas impossíveis
a resistir às estações
e ao sangue;
a explicar-me sem gestos
que o mundo pode mesmo não ter fim.

O teu corpo
como o testamento mais antigo
como a beleza definida
ainda antes da criação,

A tua presença
e a tua ausência
a coincidirem no meu coração,
a pintar esperanças
com aguarelas invisíveis
num código secreto
que tento em vão decifrar.

sábado, novembro 03, 2012

deo ignoto

Ignoro-te.

(o teu olhar como a ameaça atómica, espalha o terror pelo sono sem abrigo dos abandonados)

Esta noite tem um disfarce de veneno especial. O céu, como uma catedral de estrelas, espalha-nos sobre as almas fés impossíveis, armas apontadas ao epicentro da ilusão que invade a nossa embriaguez imaculada. 

Fecho os olhos. Abandono-te, na certeza de ignorares o meu nome,  o meu rosto, o meu cheiro.

Fujo de nós. As ruas vomitadas emprestam-me um abrigo provisório, um porto seguro, distante do teu sorriso encantado, apontado à minha perdição.  Respiro fundo. Arranco do peito a indiferença instantânea com que me tentaste em vão crucificar.  Não há sangue.  As ruas continuam as mesmas: os mesmo lugares, as mesmas casas, os mesmo bares, os mesmo olhares.

Estamos exaustos 
(ausentes um do outro)

Não te conhecer foi a melhor coisa que me podia ter acontecido.