domingo, dezembro 11, 2011

Os teus lábios parados eram a noite, o abismo
e o silêncio das ondas paradas de encontro ás
rochas. O teu rosto dentro das minhas mãos.
Os meus dedos sobre os teus lábios e a ternura,
como o horizonte, debaixo dos meus dedos.

A Gaveta de Papeis ,  José  Luís Peixoto

terça-feira, outubro 18, 2011

É fácil viver sem ti.

Não é difícil viver sem ti.
O tempo passa, e dançamos o desamor como amigos de tempos esquecidos, entre estações e anos que não aconteceram, por muito que os continuemos a lembrar.
Mas, em dias como este, em que o Outono brilha uma luz discreta sobre as árvores quase mortas, o teu sorriso escorrega-me para o coração, e tenho dificuldades em disfarçar as explosões que disparam a cada minuto em que decides incendiar o meu olhar com o teu.

Procuro o caminho para casa. Mas as ruas confudem-se com o teu corpo, e a noite e a combustão do alcoól tentam em vão explicar-me o nosso desencontro tão sincronizado como a dança dos desafogados à procura do fim do mar.
Em cada canto da cidade molhada pela desilusão, vislumbro um sinal transparente da nossa passagem, disfarçada pela certeza de um fim, vulgar como outro qualquer. Em cada estátua, em cada palácio, um quase beijo teu acenado do fundo da memória granítica do passado. Em cada ruína. Em cada passo a certeza de um futuro que nunca irá acontecer.

A noite cai; disfarça o Outono com frios e céus de Inverno. Devolvo-me a casa. Na lareira, a lenha arde inconformada, lado a lado com as memórias. Enconsto-me para o lado e, ao adormecer

(tenho quase a certeza)

esqueço-me de ti outra vez.

sábado, outubro 01, 2011

vinicius de moraes - o falso mendigo

Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia.
Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado
E me trazer muito devagarinho.
Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave
Quero fazer uma poesia.
Se me telefonarem, só estou para Maria
Se for um trote, me chama depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Diz a Amélia para procurar a "Patética" no radio
Se houver um grande desastre vem logo contar
Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa
Tenho um tédio enorme da vida.
Liga para vovó Nenem, pede a ela uma ideia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme da vida.
Minha mãe estou com vontade de chorar.
Estou com taquicardia, me da um remédio
Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente.
Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas
Não aguento mais ser censor.
Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho
Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho
Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Saber ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.

segunda-feira, julho 18, 2011

Poligamia Eléctrica

Eles invadem a noite:
um número indefinido
de sorrisos
ligados à corrente,
luminosos e negros,
como a noite que se esconde para lá das luzes
e da batida perdida da noite.

Um sem número de paixões clandestinas,
escondidas dos fantasmas de pó e de sangue,
que explodem como música
ou outro acidente qualquer.

Sexo e semi-amores itermitentes,
alimentados a red-bull, ecstasy e esperança
como se o fim do mundo tivesse chegado,
e a única saída seja a celebração.

As bocas intoxicadas encontram-se em desconhecidos.
O tempo disfarça-se de vento e gelo nas costas despidas de amantes
aleatórios, almas gémeas de pequenos minutos
em que alguns
[inconscientes de futuros impossíveis]
arriscam ser felizes.

No dia seguinte resta um hálito a tristeza,
e a esperança que a música nos devolva o fim do mundo
e a liberdade de uma noite mais.

segunda-feira, julho 11, 2011

Como as estrelas todas,
e o mar inteiro no teu olhar:
há algo no fundo de nós que não se explica,
mas que se encaixa.
Como os nossos lábios,
como os nossos sorrisos tímidos
numa fuga preguiçosa de quem se quer encontrar.

Existe no fundo de nós algo que nos quer
com a violência e a certeza de uma bala
com a doçura e o medo do primeiro olhar.

Há qualquer coisa,
que as ondas parecem perceber,
que o vento nos tenta sussurar,
Algo que nós sabemos,
mas não sabemos explicar.

quinta-feira, junho 02, 2011

Procura-me.
Nas tempestades,
nas lâminas de silêncios que finges não perceber,
nos abraços sem querer que nos esquecemos de evitar.

Deixa-me, e encontra-me de novo
nas chuvas e nos espaços
vazios que preenchem as nossas ausências resignadas.

Deixa os livros e as promessas
de inícios que escondemos por detrás de olhares implacáveis
para trás.

Vamos partir.
à procura de tudo o que temos medo de encontrar
aqui
bem no fundo,
quase perdido,
mesmo no meio de nós.

quarta-feira, maio 11, 2011

5.

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
Del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

... Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

 
Pablo Neruda, Crepusculario

terça-feira, março 29, 2011

Nocturno

"Como se fosses noite e me atirasses
Uma corda de músculos e rosas.
Como se fosses noite e me deixasses
Deslumbrado com todas as sombras,
Com todos os silêncios,
Com todos os passeios de mãos dadas com o impossível,
Com todos os minutos,
Os lentos, os belos, os terríveis minutos
Que se escoam com a angústia nas escadas.
Como se fosses noite e acordasses
Todos os olhares furtivos aos bancos vazios,
Todos os passos hesitantes que ninguém segue
Mas que deixam na rua deserta,
Na cidade ausente,
O arabesco triunfal dum arcanjo que passa,
O rasto vitorioso dum condenado que dança,
Rindo dos deuses que o julgaram.

Como se fosses noite e arrastasses
O tule hierático e vermelho da cauda de todas as prostitutas
Que desafiam o mistério, roçagando,
A ganga de todos os operários
Que sofrem o mistério, fumando,
O cabeção ingénuo de todos os marujos
Que sonham o mistério, ondulando,
A renda esfarrapada, esvoaçante e preciosa de todos os invertidos
Que inventam o mistério, desesperando,
E a carne, o sangue,
O cheiro a suor e a sono de todos os vadios,
De todos os ladrões que dormem nas esquadras
E têm o mistério, ousando!

Ah! Se tu fosses noite e me atirasses
A um poço de membros e de raiva
Onde plantas carnívoras crescessem
E onde Deus - se existisse - talvez me abrisse os braços!"




José Carlos Ary dos Santos

sexta-feira, março 18, 2011

The first day of spring

The sun is shining bright. Darkness is all around, locked in promiscuous soon to be broken hearts. It's the first day of spring. The future's black and holy, and we see imaginary suns slipping through our mistaken souls. Ready to be torn apart. Ready for the blue-neon apocalypse of another dirty night.
We are ready. The unholy war of sex and passionless disappointment calls us by the name. All the homeless spirits cry, oh they cry, for the fratricide of our sad dirty dreams of raped lovers under the blue empty sky.
Let the shredded heart and bones prove, once and for all, that all of our faked smiles will soon be ripped apart by the memories of dark incestuous futures yet to come.
Se te caísse uma flor do cabelo.
Se o tempo se esquecesse de continuar.
Ou se o mundo parasse, como um sossego primitivo de primaveras disfarçadas.
Se, num dia qualquer, igual a mais nenhum, o veneno se encher de coragem e explodir:
nesse dia, talvez, os meus olhos homicidas te expliquem
(num sorriso, como que as palavras)
que o fim está mesmo quase a começar.

quinta-feira, março 17, 2011

Ternura

"Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar
                                                                                      [ extático da aurora."


Vinicius de Moraes

quarta-feira, janeiro 19, 2011

The Love Song of J. Alfred Prufrock

Let us go then, you and I,
When the evening is spread out against the sky
Like a patient etherised upon a table;
Let us go, through certain half-deserted streets,
The muttering retreats    
Of restless nights in one-night cheap hotels
And sawdust restaurants with oyster-shells:
Streets that follow like a tedious argument
Of insidious intent
To lead you to an overwhelming question...
Oh, do not ask, “What is it?”
Let us go and make our visit.

In the room the women come and go
Talking of Michelangelo.

(...)

T.S. Elliot