Tenho o teu reflexo tatuado nos olhos como uma assombração incandescente: a prova obsessiva de uma atracção descontrolada que espalha o teu sorriso em todas as coisas, em todos os rostos, em todos os lugares: os teus olhos negros de horror e primaveras nas garrafas de vodka vazias que povoam as noites que destruímos para fingir o esquecimento; os teus lábios desenhados pelo lixo espalhado meticulosamente pelos passeios sujos de todas as ruas em que disfarçamos gestos violentos de carinho, desejo e desespero; no olhar histérico dos sem abrigo uma sugestão explosiva do teu sorriso assassino, um rasto desumano dos relâmpagos que te iluminam o corpo quando te esqueces de esconder a felicidade.
Talvez a paixão seja assim: suja, ácida, despedaçada. A fuga infrutífera à verdade suprema: o fim.
Não nos resta nada. Nem o passado. Nem o direito à esperança. O divórcio da realidade espalha pelos dias a memória acabada do teu corpo, a imagem imortal da tua pele cicatrizada nos objectos mais insignificantes, nos lugares mais comuns.
Não há mais nada. Mas há a esperança: ténue, ridícula, acabada. O prolongamento a conta-gotas destes dias, iguais a todos os que passaram antes de aconteceres.
E há o tempo. O tempo infinito que nos separa do momento inevitável em que as máquinas se desligarão naturalmente, e a morte certa deixará de ser uma promessa de liberdade, para passar a ser o alívio infinito do regresso à solidão.
1 comentário:
É sempre um prazer ler-te.
Um abraço e bom Domingo.
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