domingo, agosto 01, 2010

a partida

"Hoje é a última noite que durmimos separados na mesma cidade.", escrevi-lhe. A carta ficou escondida para sempre, para não lhe complicar as nostalgias da partida nem os entusiasmos da chegada. Mas naquele momento, vinte e quatro horas antes de ela partir pela primeira vez, percebi que partia para sempre.

Hoje, passados meses das nossas partidas, sei de cor os continentes que nos separam. Ainda assim procuro-a, nas paredes e igrejas desta cidade que nem sequer é a nossa; que nem se parece com a cidade que não habitamos mais. Tento decifrar os sinais-códigos-enigmas dos olhares dos desconhecidos que sorriem com escárnio da nossa distância, que me despistam com indiferenças falsas, enquanto tento perceber nos sinos das igrejas as coordenadas espaciais do nosso desencontro.

Às vezes desisto. Explico-me que não te quero encontrar nunca mais e arriscar num possível encontro o fim de um sonho tão perfeito. Mas em dias como hoje, em que o peso da noite me faz ver-te para além da escuridão desta cidade em ruínas como se estivesses aqui, sei que não posso descansar enquanto não fizer explodir o sonho num pequeno beijo suícida.

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