terça-feira, fevereiro 06, 2007

Vilnius I

Até agora pensava que as saudades eram bonitas, saudosamente poéticas talvez. Sentir-me triste é tão nobre que às vezes o faço só para me elevar perante os olhares mais ingénuos. Mas não sabia que as despedidas e as saudades, as verdadeiras, nos fazem sentir apenas desgraçados, nos fazem sentir pendurados do pior dos penhascos seguros apenas pelo coração. Aquela dor não se compara a nada. E por isso foi, provavelmente, um dos momentos mais importantes da minha vida. Nenhuma certeza pode ser abalado depois daquela dor. Nenhuma.

A generosidade está em mim sem quaisquer culpas minhas. Seria possível abstrair-me de algo que, resumidamente, é o pilar fundamental da minha família? Será razoável, ou mesmo justo, pedir-me para esquecer o único ensinamento do qual nunca duvidei? Atrevo-me a dizer que no motor das minhas convicções é este provavelmente o combustível que as faz girar e crescer. Porque não interessa se acreditamos em Deus ou no Diabo. Não interessa se somos educados ou rudes. Não interessa se somos cultos ou ignorantes, ateus, cristãos ou apenas idiotas. Digam o que disserem, o que realmente importa, o que realmente faz a diferença neste mundo retorcido em que vivemos é aquilo que fazemos. E é por isso que admiro a minha família mais do que alguma vez possam entender, e ao contrário do que alguns possam julgar. Porque tenho mais de vós dentro de mim do que pensam, porque acredito em vocês mais do que parece, porque vejo além das vossas palavras e sinto-me capaz, por vezes, de sentir bem fundo as vossas almas.

Entendo perfeitamente que a minha ausência possa ser dolorosa para alguns de vós. Chamem-lhe pretensiosismo se quiserem. Eu chamo-lhe amor. Mas acredito piamente que são os momentos difíceis que nos definem, que são esses o que realmente mudam o nosso mundo. Por isso, aos que sofrem por mim restam apenas duas opções: Cresçam, ajudem-se e tornem-se mais fortes ou acabarão por sucumbir ao peso da solidão e da indiferença. Não há outra saída. Nem para mim.

Depois da chegada há muito para contar. O rigor ridículo dos alemães e a permissividade tipicamente lusitana lutam arduamente para conquistar o nosso ódio que, apesar de tudo, se inclina drasticamente para os germânicos. Talvez seja porque foram eles que nos obrigaram a pagar mais 32€ pelo peso excessivo das bagagens ou por nos proibir de transportar alguns objectos que ficaram ou no lixo, ou na casa do justiceiro que heroicamente impediu que os mesmos embarcassem e levassem à morte de todos os passageiros no nosso avião.
A residência apresenta sérias dificuldades em conquistar-nos devido a pequenos pormenores como a cozinha comum para cada um dos andares, as deficientes condições de acesso à Internet, os dois chuveiros por andar mas, apesar de tudo, será aqui o nosso refúgio nas próximas semanas, enquanto tentamos encontrar um sítio melhor para ficar, o que dá tempo para a residência se redimir até lá. Os ocupantes têm feito um bom esforço nesse sentido. Entre o nosso “grupo” destes dois primeiros dias podemos contar gente de tão diferentes lugares que ainda não percebi ao certo onde vim parar. Da Bélgica à Lituânia, da Polónia à Austrália, passando pela Espanha, Turquia, Itália ou Alemanha, todos trazem algo de novo que assimilo com tanta dificuldade como a neve e o frio. Acusaram-me de ser demasiado calado. Imaginem! Estava apenas demasiado concentrado a contemplar e apreciar todas as coisas novas: A neve nas árvores, a lama nas estradas, os rostos duros difíceis de penetrar, a língua enrolada e deveras aliciante, a comida extraordinariamente aceitável. O meu pretensiosismo (é o que alguns lhe chama) não me desiludiu desta vez, e o meu inglês falado estava tão bom ou mesmo melhor do que esperava. Um destes dias talvez tenho tempo para o treinar aqui, como já mo pediram, mas por agora outras preocupações me sacodem o pensamento. Como tentar adormecer antes das cinco da manhã que se aproximam perigosamente, e como suportar o ressonar cavernoso de um dos meus companheiros de quarto. Amanhã acordo só na segunda!

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