V - À Chuva
Reposteiros constipados bocejam flashes ocasionais de um relâmpago esquecido, reflectido nas janelas. As ruas estão desertas, molhadas. Lá em cima, a chuva inundou a lua de escuridão. Amanhã, dilúvio, crucificar-te-ão. Esta noite beijamos-te com rosas ao relento, no mergulho de todos, desta arca de ninguém, fugindo convictos ao salvador.
quarta-feira, julho 19, 2006
segunda-feira, julho 17, 2006
Balada da Cidade Deserta
I – Gato Preto
Na noite, escura, gato preto, acompanhas o meu regressar vagaroso deslizando indiferente na escuridão. Vejo-te nesta esquina e num ou outro parque, sempre tão distante e certo como o negro de um céu sem lua. Quando a realidade trituradora parece acalmar e o meu cérebro aquece o descanso da solidão, vejo-te de novo, gato preto, pelas ruas escondidas, parado, estranhando a luz como eu estranho as manhãs gritantes cheias de pressões para não me deixar pensar. Habituados às luzes, habituados aos gritos, nós, gatos pretos, serenamente esperamos pacientemente um dia de paz para pensar.
II – Pai Suicida
Atravessas-te de novo nos faróis da minha máquina aceleradora. Ainda hoje não entendo por que levas o teu filho no colo, e te ajoelhas na estrada rezando o suicídio. Uma e outra vez te jogas nos riscos brancos de passagem, à espera da morte como que da carreira que te levará daqui para fora. Enquanto ofereces resoluto mais uma cigarrilha aos cheiros do teu recém-nascido, entregas-te ao desconsolo de mais uma estrada em perpétuos movimentos de passagem. Gostava de ver o teu vaguear inerte no meio dos carros quando as chuvas chegarem e levares a tua criança debaixo de um chapéu-de-chuva negro. Talvez então acredite que sobreviverás.
III – Telefonia Abandonada
Ecoas triste como um órfão abandonada. As arcadas albergam agora todo o desconsolo que cantas, quase vazia, quase temendo continuar. Ainda assim cantas. Nós, tantos separados, sozinhos, sem esperança, choramos já a saudade que há de vir. A esperança é para nós o anúncio do que um dia nos irá faltar. Fingimos acredita-la sabendo no fundo que não queremos mais do que uma razão para cantar o nosso fado de saudade. O nosso Reino Desalento canta nas escadas a tristeza que nos faz feliz.
IV – Lua
Escondes-te minguante entre nuvens de rendas finas e compridas. Através deste papel vegetal de humidade chegas-me como um prenúncio de desistência. As estrelas fugiram, e tu, tremendo, aguardas oculta o momento em que a coragem te faltará e partirás para longe, atrás delas. Quando nos inundarmos já cá não estarás. Amas-nos demais para ver esta nossa morte tão certa e anunciada. Tão pérfida. Tão evitável. Obrigado por nos acompanhares até ao nosso último momento de viver. Parte antes que a morte acabe de começar.
Na noite, escura, gato preto, acompanhas o meu regressar vagaroso deslizando indiferente na escuridão. Vejo-te nesta esquina e num ou outro parque, sempre tão distante e certo como o negro de um céu sem lua. Quando a realidade trituradora parece acalmar e o meu cérebro aquece o descanso da solidão, vejo-te de novo, gato preto, pelas ruas escondidas, parado, estranhando a luz como eu estranho as manhãs gritantes cheias de pressões para não me deixar pensar. Habituados às luzes, habituados aos gritos, nós, gatos pretos, serenamente esperamos pacientemente um dia de paz para pensar.
II – Pai Suicida
Atravessas-te de novo nos faróis da minha máquina aceleradora. Ainda hoje não entendo por que levas o teu filho no colo, e te ajoelhas na estrada rezando o suicídio. Uma e outra vez te jogas nos riscos brancos de passagem, à espera da morte como que da carreira que te levará daqui para fora. Enquanto ofereces resoluto mais uma cigarrilha aos cheiros do teu recém-nascido, entregas-te ao desconsolo de mais uma estrada em perpétuos movimentos de passagem. Gostava de ver o teu vaguear inerte no meio dos carros quando as chuvas chegarem e levares a tua criança debaixo de um chapéu-de-chuva negro. Talvez então acredite que sobreviverás.
III – Telefonia Abandonada
Ecoas triste como um órfão abandonada. As arcadas albergam agora todo o desconsolo que cantas, quase vazia, quase temendo continuar. Ainda assim cantas. Nós, tantos separados, sozinhos, sem esperança, choramos já a saudade que há de vir. A esperança é para nós o anúncio do que um dia nos irá faltar. Fingimos acredita-la sabendo no fundo que não queremos mais do que uma razão para cantar o nosso fado de saudade. O nosso Reino Desalento canta nas escadas a tristeza que nos faz feliz.
IV – Lua
Escondes-te minguante entre nuvens de rendas finas e compridas. Através deste papel vegetal de humidade chegas-me como um prenúncio de desistência. As estrelas fugiram, e tu, tremendo, aguardas oculta o momento em que a coragem te faltará e partirás para longe, atrás delas. Quando nos inundarmos já cá não estarás. Amas-nos demais para ver esta nossa morte tão certa e anunciada. Tão pérfida. Tão evitável. Obrigado por nos acompanhares até ao nosso último momento de viver. Parte antes que a morte acabe de começar.
segunda-feira, julho 03, 2006
Por cartas que de amor nunca serão rídiculas,
deitamos as vidas fora por um momento só...
Lançando amor à eternidade como seixos no mar,
Jogando ao amor descalços como meninos de rua,
roubamos silêncios às multidões para enterrar no jardim...
Partilhando um pequeno pedaço de trigo
da manhã até à lua, sentados no passeio,
relatando um ao outro o que nunca aconteceu.
Dançando à chuva rituais de ser feliz
em ruas desertas em medos de noite.
Vagueando por árvores e atalhos
procurando o que se segue entre os arbustos e as flores
dentro dos ninhos, nos espinhos das rosas.
Mergulhando no rio para falar com os peixes e aprender a voar.
Lendo páginas alheias da nossa estória
aprendendo pedaços de nós em palavras imaginadas.
Cantando assobios fora de tom
para sermos mais um passarinho apenas
nos ramos que trepamos para poder saltar.
Parando aqui e além para escutar
quietos, mudos, em respeito,
outros que não conseguem amar.
o sangue. Vem todo do coração.
deitamos as vidas fora por um momento só...
Lançando amor à eternidade como seixos no mar,
Jogando ao amor descalços como meninos de rua,
roubamos silêncios às multidões para enterrar no jardim...
Partilhando um pequeno pedaço de trigo
da manhã até à lua, sentados no passeio,
relatando um ao outro o que nunca aconteceu.
Dançando à chuva rituais de ser feliz
em ruas desertas em medos de noite.
Vagueando por árvores e atalhos
procurando o que se segue entre os arbustos e as flores
dentro dos ninhos, nos espinhos das rosas.
Mergulhando no rio para falar com os peixes e aprender a voar.
Lendo páginas alheias da nossa estória
aprendendo pedaços de nós em palavras imaginadas.
Cantando assobios fora de tom
para sermos mais um passarinho apenas
nos ramos que trepamos para poder saltar.
Parando aqui e além para escutar
quietos, mudos, em respeito,
outros que não conseguem amar.
o sangue. Vem todo do coração.
Panos Brancos
Erguei panos brancos sob o luar nas praças,
nas casas, e nos parlamentos, lenços brancos erguei.
Na cama do casal a fingir amar-se para poderem ser como leões
(mas sem vergonha)
vai-se erguendo o lençol branco transparecendo o suor mentiroso.
Nas escolas crianças entendem talvez e tiram as meias brancas,
unidas pelos cheiros, naturezas vivas, acenando vivamente.
E os que resistirem, sem brancos, sucumbirão
a esta força, que o sol desceu à terra para queimar
arder
porque o sol do final dos dias não está no espaço
apenas no fundo do mundo
no passar dos tempos escondidos
fluíndo em magnânimas ondas
do meu coração, e de tantos mais.
nas casas, e nos parlamentos, lenços brancos erguei.
Na cama do casal a fingir amar-se para poderem ser como leões
(mas sem vergonha)
vai-se erguendo o lençol branco transparecendo o suor mentiroso.
Nas escolas crianças entendem talvez e tiram as meias brancas,
unidas pelos cheiros, naturezas vivas, acenando vivamente.
E os que resistirem, sem brancos, sucumbirão
a esta força, que o sol desceu à terra para queimar
arder
porque o sol do final dos dias não está no espaço
apenas no fundo do mundo
no passar dos tempos escondidos
fluíndo em magnânimas ondas
do meu coração, e de tantos mais.
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