terça-feira, agosto 26, 2008

Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são
[doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente
[exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua
[voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a
[madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande
[íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala
[amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono
[desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinicius de Moraes. Antologia Poetica