terça-feira, junho 03, 2014

Ao longe

Oh poesia, se eu voltar a ti
voltarei com os bolsos cheios
de promessas que espero
não te poder fazer.

Ah, poesia que te escondes
com medo de me sufocar
desde aeroportos em pedaços
apontados ao deserto lunar.

Ah poesia!
que continuemos apartados assim
na segurança de nos querermos ao longe
certos da amargura que nos traz
sabermos tanto deste amor
que nos obriga
irremediavelmente
a chorar e olhar para trás.

há um ano, quando decidimos nascer

gumes apontados à jugular escarlate da noite
um, dois amigos, três shots de tequilla e uma ameaça de morte

a caminho do cais que faz nascer o dia
os nossos pés descalços escondem-se na água da aurora que ilumina os nossos copos vazios.
enquanto esperamos pelo próximo dia, o encanto chega de mansinho. uma caipirinha embriagada
brinda com os marinheiros
a promessa da eternidade que esta noite esqueceu aqui
na manhã que se segue.

apontamos a casa por caminhos sinuosos
armados até aos dentes com óculos de sol inventados
escandalosamente portáteis. Erguido numa vénia
atiras ao mar as pedras do templo, do topo
desse avião imaginário. o teu amigo esquecido
no fundo do cais começa a cantar. Fodasse!
temos que o levar connosco 
para o palácio que acabei de inventar.
de vez em quando
damos com ele esquecido,  a cantar-nos
melodias de um tempo perdido
quando o dia nos devolve a casa com promessas de imortalidade.

jantámos no fundo do mar, onde se fazem
os melhores gins tónicos deste hemisfério central
onde bokowski continua imortalizado no mijo que escorre pelas paredes
em casas de banho onde a poesia
e a cocaína se encontram sob o crepúsculo de uma ressaca qualquer
onde os músicos se esquecem de cantar e nos atacam
pelas ruas e nos resgatam de novo deste paraíso
de sabores: pertencemos apenas às algas
pertencemos ao sol que nos enche a boca
e nos afoga os pulmões
em overdoses de esperança.

Quanto pesa um poema?

Um poema pesa três rimas
e duzentas
um quarto de kilo
de tristezas
e meio coração inteiro.

Pesa dúzia e meia de vidas
duas embalagens de saudade
pacote e meio de lágrimas de preta
uma gema de melancolia
e três quartos de felicidade.

quarta-feira, abril 09, 2014

Escondidos

Tenho o teu rosto
em carne viva
nas minhas mãos.

Lá fora, o Inverno não se cansa de começar. À nossa frente a tua rua acaba num romance sem saída: como este poema, como o teu respirar suspenso nos meus dedos afogados no beijo sufocado que te roubei. 

[Há chuva lá fora.]

Aqui, há uma música sem nexo, um calor colorido de desespero e um carinho que não sabe aprender nem desistir. 

O portão está fechado.
Roubo-te a esperança dos lábios
os teus olhos descansam
fechados nas minhas mãos.

[Lá fora a noite acaba. Mas a chuva não.]

Aqui, escondidos um no outro.
Aqui, tão bem escondidos da solidão.

quarta-feira, julho 24, 2013

aqui

espero-te aqui - onde a esperança acaba como o último cigarro do condenado. os teus lábios ensinaram-me a felicidade instantânea do adeus. somos isto - um abraço turquesa escondido de todos, à espera que a tristeza se possa esquecer de chegar. os teus ombros descobertos descansam nos meus lábios das paixões adúlteras que nos esperam ao virar da vida, na substituição possível deste nosso calor condenado ao vapor e ao esquecimento. aqui, depois do fim, há um halo a melancolia impossível de evitar - uma lembrança pálida do teu peito desenhado de felicidade, a respirar descoberto nos meus dedos abandonados. espero-te aqui, no fundo da esperança, perfumada pela tristeza que me deixaste condensada na cama, e que me obriga inevitavelmente a sorrir.