terça-feira, outubro 18, 2011

É fácil viver sem ti.

Não é difícil viver sem ti.
O tempo passa, e dançamos o desamor como amigos de tempos esquecidos, entre estações e anos que não aconteceram, por muito que os continuemos a lembrar.
Mas, em dias como este, em que o Outono brilha uma luz discreta sobre as árvores quase mortas, o teu sorriso escorrega-me para o coração, e tenho dificuldades em disfarçar as explosões que disparam a cada minuto em que decides incendiar o meu olhar com o teu.

Procuro o caminho para casa. Mas as ruas confudem-se com o teu corpo, e a noite e a combustão do alcoól tentam em vão explicar-me o nosso desencontro tão sincronizado como a dança dos desafogados à procura do fim do mar.
Em cada canto da cidade molhada pela desilusão, vislumbro um sinal transparente da nossa passagem, disfarçada pela certeza de um fim, vulgar como outro qualquer. Em cada estátua, em cada palácio, um quase beijo teu acenado do fundo da memória granítica do passado. Em cada ruína. Em cada passo a certeza de um futuro que nunca irá acontecer.

A noite cai; disfarça o Outono com frios e céus de Inverno. Devolvo-me a casa. Na lareira, a lenha arde inconformada, lado a lado com as memórias. Enconsto-me para o lado e, ao adormecer

(tenho quase a certeza)

esqueço-me de ti outra vez.

sábado, outubro 01, 2011

vinicius de moraes - o falso mendigo

Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia.
Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado
E me trazer muito devagarinho.
Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave
Quero fazer uma poesia.
Se me telefonarem, só estou para Maria
Se for um trote, me chama depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Diz a Amélia para procurar a "Patética" no radio
Se houver um grande desastre vem logo contar
Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa
Tenho um tédio enorme da vida.
Liga para vovó Nenem, pede a ela uma ideia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme da vida.
Minha mãe estou com vontade de chorar.
Estou com taquicardia, me da um remédio
Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente.
Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas
Não aguento mais ser censor.
Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho
Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho
Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Saber ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.